Até 1950, José Gabriel morava com Pequenina em Porto Velho. O casal já tivera dois filhos: Getúlio e Jair. Além de trabalhar como enfermeiro, ele tinha também uma taberna de bebidas. E gostava de política. Diante dos dois partidos que disputavam o governo do Território de Guaporé, o de Rondon e o de Aluísio, José Gabriel era pró-Rondon. No entanto, seu candidato perdeu, e ele foi perseguido em seu emprego público no hospital.
Tendo de se afastar de seu trabalho, José resolve voltar para o seringal. E sua mulher discorda: “Eu disse: ‘Não, o que é isso? Eu não nasci no seringal, em mato. Não quero criar meus filhos sem saber ler e escrever.’ Ele disse: ‘É porque eu vou atrás de um tesouro.’ Mas eu era uma pessoa de cabeça cheia de muitas coisas e achei que era riqueza material que ele ia achar, e nós ia enricar, ter uma vida de rosa. Então, quando ele disse que ia, eu disse: ‘Então, vamos.’ Então eu digo que esse tesouro que ele encontrou junto comigo e os dois filhos, pra mim, é um tesouro tão maravilhoso que dinheiro nenhum não paga essa felicidade. (…) Então, esse tesouro, que é a União do Vegetal, tem me amparado.”
Nestas palavras de Mestre Pequenina e provavelmente também na afirmação de José Gabriel, poder-se-ia detectar a presença dos motivos edênicos que povoaram o imaginário das populações que se defrontaram com a floresta amazônica. Nos sonhos e anseios dos nordestinos pobres que se lançam na aventura da borracha ecoam ainda as buscas das “estranhas coisas deste Brasil”: do Eldorado, da Lagoa do Vupabuçu, ou da serra anunciada por Filipe Guillén, “que ‘resplandece muito’ e que, por esse seu resplendor era chamada ‘sol da terra’ “. Posteriormente, o sonho do tesouro a ser encontrado na selva é ressignificado, passando a expressar a União do Vegetal, que nasce da floresta, de um líquido também dourado, denominado por vezes de “chá misterioso”.
No seringal Orion, José Gabriel abriu o terreiro no qual “recebia” o caboclo Sultão das Matas. Como recorda Mestre Pequenina, “vinha gente de tudo quanto era seringal” consultar o Sultão das Matas. E ele curava as pessoas, assim como indicava o lugar certo onde se encontrava caça.
Adaptando-se a um novo contexto sócio-ecológico-cultural, José Gabriel dirige um rito sincrético afro-indígena, no qual o valor simbólico da floresta, que perpassa toda a vida dos seringueiros, fica evidente. Tal rito, designado pelo filho de José Gabriel simplesmente como “macumba”, parece assemelhar-se à pajelança cabocla amazônica, uma forma de xamanismo não-indígena na qual tem importância fundamental a noção de incorporação do curador por entidades espirituais que agem através dele para a cura dos doentes. No entanto, certamente permaneciam marcantes nos toques do Seringal Orion os elementos religiosos afros vivenciados anteriormente por José Gabriel, seja na Bahia, seja em sua participação no Terreiro de São Benedito de Porto Velho.
Mais tarde, quando já estão em outro seringal, Pequenina fica sabendo de um chá: “o pessoal vê isso, vê aquilo, o cara falou até com o filho depois de morto”. Ela fala a José Gabriel e ele vai pedir o chá ayahuasca a quem o distribuía no lugar. Mas o homem disse que “não dava o Vegetal praquele baiano que sabe aonde as andorinhas dormem”.
Tempos depois, no seringal Guarapari, numa colocação chamada Capinzal, na região da fronteira boliviana, José Gabriel recebe pela primeira vez o chá de um seringueiro chamado Chico Lourenço, no dia 1° de abril de 1959. Chico Lourenço representa uma tradição indígena-mestiça de uso xamânico da ayahuasca que se espalha por uma ampla região da Amazônia ocidental. Tal tradição é designada posteriormente pela UDV como a dos “Mestres da Curiosidade”. Aí se inicia nova etapa na trajetória de José Gabriel.